12 setembro 2011

Vovô e o Sobrenatural de Almeida


Meu Avô era de Santos e veio estudar medicina na então capital federal, Rio de Janeiro. Não tinha muita grana, minha Bisavó era costureira para poder custear os estudos dos dois filhos , que sonhavam em ter uma carreira, nos então conturbados anos 30 do século passado. Como estudante foi morar numa pensão do bairro das Laranjeiras.
Para os mais desavisados, ou os que faltaram as aulas de história, nos anos 30 não havia televisão, Internet, videogames. Cinema, teatro, ou comprar um radio era caro para quem não tinha nem direito para o almoço. Fora fazer os trabalhos de faculdade, nas horas vagas Vovô adorava futebol, como já disse eram os anos 30. Não havia transmissão de Rádio ao vivo, tv só iria ser inventada daqui a 20 anos, no máximo filmavam os jogos e passavam no cinema umas duas semanas depois. Para sorte dele, na mesma pensão morava também o porteiro do Fluminense Futebol Clube. Fizeram uma boa amizade, na hora do jantar conversavam sobre os craques da época, sobre a nascente rivalidade entre Flamengo e Fluminense, escalações e todos assuntos inerentes aos aficionados pela bola. Em Santos meu avô ia a Vila Belmiro ver o jogos do Peixe(Santos), mas aqui ficava difícil entrar no estádio das Laranjeiras pelo valor do ingresso, a situação financeira de um estudante pobre não permitia esses luxos. Contudo amizade com o porteiro do Fluminense renderia algumas entradas grátis para ver os jogos.
Voltar a entrar num estádio, ver a torcida animada, os lances geniais, jogadas magistrais de um futebol que não existe mais, animava muito aquele jovem estudante. O porteiro combinou com ele que deveria ficar esperando na entrada secundária do clube, quando o jogo estivesse com os 10 minutos de começado deixaria o vovô entrar e assistir o resto da partida. Para quem não ia pagar nada , estava muito bom! Assim uns quinze minutos antes da partida começar lá estava ele do outro lado da rua Pinheiro Machado, esperando o sinal do seu amigo para entrar no clube. Na primeira vez que foi ver a partida, reparou que não só ele esperava para entrar de graça, tinha uma galera que era amiga do tal porteiro também.
Um tipo em especial chamou a atenção do Vovô. Era magro, meio tísico, um cabeção, usava sempre um suéter surrado com um furo no ombro, não importava o tempo que fazia, estava lá a figura com o suéter. Na hora marcada o porteiro fazia o sinal e a turba torcedora corria para entrar no estádio, como o jogo já tinha começado não dava muito para escolher lugar, geralmente só sobravam os piores. Sempre Vovô acabava sentado do lado da figura do suéter, não parecia má pessoa, só meio estranho, na pior das hipóteses poderia usar a figura como cobaia para uma consulta de treino. No fervor da partida, não dava para não reparar nas esquisitas reações da figura ao jogo, torcia de maneira particular e intrigante. O que chamava mais atenção, era quando o atacante do Fluminense chutava a gol. Por vezes o chute raspava a trave da meta adversária, ai então a figura urrava com sua voz grave e lânguida :
- Quase! Foi o “Sobrenatural de Almeida”!
Na maioria das vezes o Fluminense ganhava o certame, e todos voltavam felizes para suas casas, apesar da estranheza Vovô sempre torcia para a figura aparecer , pois o jogo era outro com um torcedor tão peculiar na arquibancada. Alguns anos depois meu Avô comprou o Jornal do Sports , que pertencia ao famoso Mario Filho, que deu seu nome ao Estádio do Maracanã tempos depois. Lendo o jornal descobriu que a tal figura era nada mais, nada menos que Nelson Rodrigues, maior dramaturgo brasileiro, o cronista de futebol mais genial que existiu.
Essa história e outras mais construíram a admiração do meu avô pelo Tricolor Carioca, e me fizeram torcer por ele.

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