15 junho 2008

Crônica 8: Segunda

Estou bem ciente da infinidade de contos e crônicas inspirado nesse diazinho miserável, mas é inevitável, quase um rito de passagem, todo o bom cronista tem um escrito sobre este dia; eu não podia ser diferente. Assim discorrerei sobre o dia mais odiado do mundo, desde de que os ingleses normatizaram a semana, é foram eles ! Com o advento da semana inglesa, para evitar o super-produção das manufaturas. A segunda feira existia antes disso, mas com a semana inglesa ela tomou o peso que tem hoje em dia, pois nos tempos medievais o tempo tinha outra formatação, a sensação do seu devir era bem diferente, não tínhamos, por exemplo, esses milhares de apitos para nos lembrar do tempo; cujo o primeiro foi o da fábrica, no maximo o tranqüilo e bucólico badalar do sino da igreja.
Segunda é um dia quase místico! Dedicado a toda sorte de promessas, como os milhares de regimes alimentares que começaram no café da manhã e terminaram no jantar deste mesmo dia, como as academias que acolheram os atletas na alvorada, mas que a terça feira nunca mais viu, como os bebuns que acordaram de ressaca jurando nunca mias beber , e a curaram no mesmo dia bebendo no happy hour . Se juntássemos um dólar por cada promessa de segunda feita no mundo, acho que pobreza mundial já teria sido solucionada!
E quando o pagamento chega na segunda, que alegria! Mas esta só dura até a hora do almoço, pois você tem que dedicar esse sagrado tempo indo ao banco pagar as contas do mês, não da tempo nem de o dinheiro esquentar no bolso. Sem falar no montão de trabalho que você não fez na sexta, querendo sair cedo, e segunda ta todo empilhado na sua mesa.
Mas não tem jeito, de segunda em segunda-feira vai se levando a vida , hoje saltei da cama cedo, fiz a barba, tomei uma ducha fria e me armei com as armas do trabalhador – bom humor e fé – e sai de casa calçado com meu tênis surrado, andando pelos caminhos da labuta.

10 junho 2008

Crônica 9: No Trensurb

Peguei o trem metropolitano de Porto alegre naquela manhã gélida, meu destino São Leopoldo, mais precisamente o congresso de História que se reliazava no campus da Unisinos. Ao contrario do que pensavam os cariocas meus conterrâneos, o povo gaúcho tinha toda brasilidade comum aos outros rincões do país, Porto Alegre era tão mestiça como qualquer capital desse Brasil; lembro do meu amigo Cláudio reclamando: - Onde estão as loiras! Adriano, gaúcho nativo, respondia enfaticamente: - Estão misturadas a multidão, como em qualquer lugar! Aqui é longe mas ainda é Brasil! Gargalhadas ecoavam no trem. Sentado a minha frente um senhor de cabelos grisalhos, vestia botas nativas, mas o casaco era esporte e o rosto se escondia parcialmente no cachecol, ele bem podia ser o avô de alguém. Então as perguntas vieram a minha mente, será que ele era dali? Será que ele já tinha andado o mundo? Será que escolheu viver ali, ou somente terminou ali? Depois de tantas indagações percebi que todas essas perguntas não eram, na verdade, endereçadas a ele, mas a mim mesmo. Depois de vagar por aí, viajando, voltando, trabalhando e viajando de novo, pergunto ao oráculo de Keruac, ao viajante por excelência, Sal Paradise. Abri o “On The Road”, como se fosse com o “I Ching”, mas este não responde por parábolas. Única coisa que ele te mostra é estrada, um trago, um beijo e mais estrada. As respostas são conclusões das entrelinhas, cada um formula as suas. Por enquanto continuo na estrada, no momento chegando em São Leopoldo.

03 junho 2008

Cruzando Capricórnio

Bem... Era mais uma manhã modorrenta de Março na Universidade Federal Fluminense em Niterói, Rio de Janeiro. O calor e o bafo quente da Baía de Guanabara, que sopravam no Campus do Gragoáta, me lembravam porque Estácio de Sá fez o Rio de Janeiro do outro lado da Baia.
Gabriel vinha caminhando de um Bloco a outro do campus com um jovem alto e moreno a tira-colo, este usava um ralo cavanhaque ao estilo tártaro, só no queixo. Gesticulava e falava pelos cutovelos, logo descobri sua procedência depois de uma série de expressões idiomáticas do tipo: Ô,Ô,Ô! Sô! O jovem em questão era de Minas. Gabriel me apresentou o jovem e falante Marcelo, recém-mestrando que prentendia desvendar os segredos do “Papiro de Ani” e os mistérios do Livro dos mortos egipício. Conversávamos animadamente sobre os buchichos acadêmicos, e estes eram muitos, e Gabriel era nossa maior fonte de informação, se alguma coisa acontecia naquela faculdade de certo nosso Gabriel saberia. Assim nos encaminhamos para os pilotis do Bloco N, o da história. Ah! esqueci de dizer, todos nós estudávamos história, uns na graduação, outros já na pos-graduação. Sentado nos bancos de cimento nos pilotis do bloco N estava uma figura circunspecta, que observou nossa chagada por cima dos óculos caídos no nariz. Gabriel me apresentou “o gaúcho”, não o da obra de José de Alencar, mas Adriano, jovem estudante interessado nos homens bons da câmara de Porto Alegre, que estava sendo orientado pelas melhores pernas da história, digo, professora de história colonial. Decidimos tomar um café no MacUff , cantina do campus, mas mais que de repente cruza nosso caminho a bela e jovem Priscila, estudante de história medieval, que balançava suas douradas madeixas ao sabor do vento hipnotizando nosso olhar, principalmente nosso amigo mineiro. Este se lançou em elogios e afagos a bela manceba que sorria timidamente, mas sem rechaçar nem uma das investidas de nosso amigo falador dos “uais”. Assim segurava-lhe as mãos a moda do século passado as acariciando com olhar de “lobo mal”. Nessa hora não resisti, cutuquei o gaúcho , e soltei a pérola: Tentaculoso esse rapaz, não? Adriano deu uma gargalhada e todo aquele climão foi por água a baixo! Priscila percebeu nosso veneninho, e rapidamente se evadiu na direção do Bloco N, o mineiro desconsolado pela investida satirisada por nós disse: Ô,Ô,Ô! Sô! Depois dessa café é o cacete, vamos tomar uma cerrrrrrrrveja!
Assim meus caros leitores começa a amizade de três companheiros de armas, as armas do conhecimento e da história, que cruzando este trópico de capricórnio vão desvendando os mistérios de um país que é muito maior que o sudeste, mas que pode se encontrar, e se encontra num pátio de faculdade, num café e principalmente numa mesa de bar!

Crônica 10: Paulicéia Mon Amour!

Sinif...Snif... Acthin... Atchin... Funga, espirra, espirra e funga. Inverno na Vila de Piratininga de São Paulo, para um nariz carioca a corisa é o presente atmosférico da metrópole jesuítica. Agruras a parte, é preciso se misturar a multidão, conter o chiado do “s”, disfarçar-se dos olhares curiosos e passar desapercebido; coisa que não é difícil aqui, pois esta cidade abriga os tipos mais facetados, diversos numa unidade laboriosa e febril! Busco um itinerário no metrô, estação da luz, luz à palavra , luz do museu da palavra. Chegando a prestigiosa estação construída em estilo inglês, logo de saída me deparo com a Pinacoteca de São Paulo e o Parque da luz, mas esta é outra aventura cultural, agora estou sedento pelo verbo lusitano que se transmuta em museu vivo da palavra! Na bilheteria a primeira constatação capitalista, cultura não é de graça, e custa caro, muitas pessoas deixariam de pagar a entrada para tomar mais um chope ou pagar um cachorro quente; mas estou sedento de viver celebral, de mais a mais, menos um chope vai fazer bem a minha silhueta. Na reformada estação da luz o museu ocupa um espaço magistral, combina espaço sóbrios com luz baixa e agradável aos olhos. Vamos direto para o terceiro andar, assistir a uma projeção sobre o desenvolvimento da língua através dos tempos. Uma narração soberba de Fernanda Montenegro, e em menos de dez minutos vamos do Neolítico ao Rap (Rithimy & Poetry) de rua, quando menos se espera, somos convidados a passar a praça da palavra, onde a poesia luso-brasileira trafega no chão e nas paredes da sala em projeções; as vozes em declamação de artistas e mestres da poesia nos acalentam os ouvidos num espetáculo sinestésico. Sai de lá com um punhado de poemas e belas palavras, como se fossem bolinhas de gude com as quais iria brincar! Passamos ao segundo andar, onde painéis eletrônicos interativos contavam, qual escritores de cordel a aventura popular brasileira através da palavra morta e viva. Um painel gigante na lateral atravessava a sala com a velha linha do tempo da língua e da palavra, pois as pessoas até hoje pensam linearrmente, mas a palavra da voltas e reviravoltas, reinventando tempo, cultura, cotidiano e espaço. Talvez os velhos indianos tenham mais noção disso do que nós. No primeiro andar uma homenagem a uma velha artífice da palavra, Clarice Linspector, com sua elegância e rebeldia, figurava em imagem e grafia estampada nas paredes sedentas de emoções. Trafegava embriagado pela sala das gavetas, gavetas do chão ao teto, onde se depositaram pequenos relicários do viver da escritora, objetos de seu cotidiano, que traziam ainda o vigor e a energia de sua palavra! Após essa banho de descarrego cultural, que lava a alma embrutecida pela rotina, a necessidade básica da vida nos acometia, fome! Nos dirigimos ao Bexiga, atrás da memória e do paladar da Itália. Bem... Alcançamos a rua 13 De Maio, subindo seu breve aclive, atrás de uma bela tratoria para saciar nosso desejo de uma Nápoles da garoa.
No “Cilas” encontramos o sortimento e quantidade necessária a nossa avidez gastronômica, apesar de ser um rodízio de pizzas a qualidade e o sabor eram magníficos! Refastelados procuramos o destino cotidiano de quase todo paulista, o metro. Sonolentos e empanzinados pegamos a conexão com os trens urbanos, direção Peruz, pois nosso refugio metropolitano nessa aventura era a periferia. O trem e seu vagar embalava a sonolência do final de noite, na ultima composição se misturavam os últimos trabalhadores, nós turistas do saber e alguns seres inclassificáveis da metrópole. Nas denominações das cercanias do centros urbanos brasileiros, subúrbio e periferia parecem ser diferentes, eu carioca de nascimento e opção estranhei um pouco o soturno e triste vagar das pessoas da periferia paulista indo para casa. Meio que resignadas com seus destinos mecânicos na labuta, diferente do subúrbio do Rio, onde o cansaço é sublimado com um bom copo de cerveja e um papo com o vizinho antes do recolhimento.
Desta aventura na “Paulicéia” levo o encantamento da cultura, e o pesar da distância entre os viventes dessa cidade.