28 junho 2021

Sociedade do Medo

                        


O medo é uma sensação de auto-preservação, necessária a manutenção da vida , de certa forma do bem-estar também. Tentamos a todo custo evitar tal emoção , contudo ele está no nosso cotidiano. Seu uso social, basicamente pela política, é muito danoso, tendo desdobramentos infinitos.

Não muito tempo atrás uma atriz de renome nacional foi à TV aberta dizer que tinha medo da possibilidade de um candidato de esquerda ganhar as eleições e o Brasil se tornar uma Venezuela. Bem… A esquerda não ganhou o pleito, não viramos os EUA e temos uma das maiores crises sociais e econômicas nas mãos, com o pessoal que se dizia honesto no poder. 

Michael Moore no seu célebre documentário “Tiros em Columbine” prova que a sociedade americana morre de medo do “outro” , do "alienígena estrangeiro” e uma possivel invasão do seu território, o que justificaria sua política de armas, o total acesso do cidadão a elas na maioria de seus estados, o que tristemente resultou no massacre na escola secundarista de Columbine. 

Nessas duas primeiras décadas do século XXI o discurso do medo tem validado ações de retrocesso nas conquistas sociais. “ O medo do sistema previdenciário quebrar” , justificando a perda de direitos adquiridos pelo trabalhador. O “ medo do desemprego” justificando a destruição da CLT(Consolidação das Leis do Trabalho), que foi a maior conquista social do século XX no Brasil. 

Em contrapartida a negação de realidades objetivas , como a pandemia do covid 19, sob o argumento de que se está espalhando o medo para sabotar o governo, é também um uso político inadequado do imaginário e inconsciente coletivo(Jung) do povo. O que tristemente ainda acontece recorrentemente e diariamente.

O uso e abuso do discurso do medo tem sido usado como “cortina de fumaça” para desviar do propósito final das elites mundiais, consolidar o “Consenso de Washington “. Conjunto de ações e medidas de cunho econômico liberal e conservador no sentido social, acordado entre as grandes potências, para conter o que nos anos de 1970/1980 foi considerado um “excesso de democracia e liberdade “ nas sociedades do então “primeiro mundo”.

Assim a “a politica do medo” e a “Necro Política “ vem sendo usadas para dobrar o ânimo e ímpeto do cidadão, lhe retirando a vontade de lutar e construir um futuro melhor.


23 junho 2021

Visão Das Ruas

                     


Tem uns dois anos que moro no centro do Rio de Janeiro, segunda maior cidade do Brasil, vim pra cá um pouco antes da pandemia, assim acompanhei de perto o processo de esvaziamento econômico da região, e a ocupação das calçadas por novas modalidades de moradores da rua.

Mesmo antes do primeiro caso confirmado de covid 19 o comércio da região já estava em declínio, a exemplo da rua da carioca onde grande parte das lojas já estava fechada; deixando saudades no meu coração o Bar Luiz e a Guitarra da Prata. Sem falar a Casa Clarin na Avenida Gomes Freire, onde comprei minha primeira guitarra elétrica. A recessão econômica lenta e gradual da cidade e do estado do Rio de Janeiro levou estes comércios à falência, bem antes da pandemia. 

No dia dois de fevereiro de 2020 se confirma o primeiro caso de covid na cidade, mesmo com o alerta das autoridades sanitárias o Carnaval não é cancelado e o Reinado de Momo se instaura na cidade e no Brasil. Óbvio que 1,3 bilhão de reais em arrecadação de impostos e serviços superam o risco de propagação de uma doença letal, para as autoridades da extrema direita que se instalaram em todos níveis do Estado Brasileiro à época. Assim a folia segue, agora sabemos que os primeiros vetores de contágio da doença surgiram nesse período.

No final de março há o reconhecimento nacional da pandemia e as primeiras medidas de lockdown, o auxílio emergencial do governo só chegaria um mês depois, a despeito de todas as recomendações das autoridades sanitárias o governo ignorou o devido combate a covid, plantou “fakenews”, fez propaganda de tratamentos ineficientes e retardou a compra de vacinas já desenvolvidas. Todo esse processo lançou de volta à pobreza e miséria cerca de 30 milhões de brasileiros. Aqui no Rio de Janeiro a população de rua triplicou chegando a quase cinquenta mil pessoas, o número de um pequeno exército.

Uma nova modalidade de morador de rua surgiu, além dos dependentes químicos e portadores de doença mental, as famílias que foram despejadas por falta de recursos para pagar o aluguel e os pequenos trabalhadores manuais agora desempregados pela “recessão da Covid”. É verdade que se multiplicaram os corações solidários que passaram a distribuir comida e quentinhas pelas ruas do centro do Rio de Janeiro, contudo apesar da fome aplacada momentâneamente, a indignidade da falta de moradia continua. O Prefeito de Nova Iorque proibiu despejos durante a pandemia, pois não existe flagelo maior para um indivíduo do que não ter onde morar. No Rio de Janeiro a coisa foi bem diferente, presenciei a instalação de verdadeiros acampamentos nas marquises do centro da cidade, com direito até a cozinha de campanha. A "solidariedade anômica”(Durkeim) dessas pessoas as fez se aglomerarem para poder sobreviver ao abandono do Estado, da Família e do Próximo. Me pergunto agora até quando eles vão suportar isso?

Na França, às vésperas da Revolução Francesa(1789), Maria Antonieta, a Rainha, disse “se o povo não tem pão que coma brioches”(Soboul), demonstrando toda a alienação das elites dominantes. No Brasil do século XXI as elites novamente se descolam do povo, deixando a classe média em maus lençóis, sem saber se apoia os progressistas ou conservadores. Enquanto isso, a legião de miseráveis continua a se adensar nos grandes centros urbanos deste país , como no Rio de Janeiro. Poucas ações para ampará-los estão sendo feitas, pouca coisa além de refeição, muitas vezes disputada a tapa, estão sendo implementadas. Continua aqui a mesma pergunta:

Até quando essa multidão vai suportar essa situação?


21 junho 2021

Símbolo

                       


Nunca se operou o símbolo, ou os símbolos, de maneira tão deslocada da realidade como no governo Bolsonaro. Desvirtuando e alterando significados de coisas que sempre foram caras ao imaginário do povo brasileiro.

Reich( “O Homem e seus Simbolos”) se “remoeria na tumba” ao ver 70 anos após o fim da segunda grande guerra, os rituais de poder nazi fascistas sendo resgatados por mandatários latino americanos. Ministro reproduzindo discursos de Goebbels, saudações supremacistas no congresso nacional e motociatas no estilo Mussolini. Sem falar no  “mico” que se tornou usar a camisa da seleção brasileira de futebol, a “Canarinho”, pois ela se tornou indumentária de todo radical de direita, para demonstrar seu ufanismo irracional.

Óbvio que não existe poder sem marcas  que o distingam, toda a liturgia do Estado está repleta de emblemas próprios. Contudo mergulhamos  numa “inconsciência coletiva” do significado que o resgate dos símbolos autoritários representa. Subliminarmente esse comportamentos de racismo, machismo, misoginia, anti intelectualismo vão se colando no cotidiano e as pessoas param de pensar sobre eles e simplesmente agem, muitas vezes de forma violenta.

O cerne da questão está em de forma consciente e abrangente se discutir no âmbito da sociedade civil organizada, as implicações dessas posturas que se tornam o “modus operandi” de todo um governo, que deveria ser de conciliação e governança geral, mas que só promove o conflito e divisão se voltando para os mais ricos.


18 junho 2021

Distopia Cotidiana

             


            “Os tempos andam bicudos”, como dizia minha avó, nunca tantos ditados

populares fizeram tanto sentido! Nesses dias pandêmicos as pessoas andam

pirando por qualquer coisa, fora as que já piravam normalmente.

Não quero usar as teorias de “liquidez”, "descentramento" e “desrealidade” que comumente os intelectuais recorrem para explicar a realidade, pois elas explicam, mas resolvem muito pouco. Longe de mim contestar o saber acadêmico, pois passei pela universidade, mas para a maioria do povo os exemplos são mais marcantes e enriquecedores.

“Passarinho que come pedra, sabe o Fi ó fó que tem”. Um clássico dos ditados populares, espelha com clareza nossa situação de resistência às medidas de prevenção contra a covid 19. Apesar de todas as proteções recomendadas pela OMS(Organização Mundial da Saúde), centenas de pessoas não usam máscaras, se aglomeram e desdenham da vacina. Estão achando que seu “Fi ó Fó” vai aguentar o tranco da infecção pela doença. 

“Em lago que tem piranha jacaré nada de costas”. A intolerância ao outro e suas posições cresce exponencialmente, o diálogo está dificultado pela ficção da realidade chamada “minha opinião”. Nada mais é fato , tudo é versão e a chamada “pós verdade” se afirma nas mentes dos menos letrados e informados. O Jacaré , que está no topo da cadeia alimentar, tem que se cuidar para não ser devorado pelas “piranhas das Fakenews”.

“De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Machado de Assis em “O Alienista” , reflete sobre os padrões morais da sociedade brasileira do século XIX através do olhar de um médico psiquiatra. Chega a conclusão que há mais loucos fora do hospício que dentro. Em tempos de negacionismo e anti intelectualismo, os ditos loucos estão ditando o padrão de normalidade, o pior , por decreto sem consultar ninguém.

Através destes pequenos ditados e dizeres podemos refletir sobre esse tempo de mudança e exceção que passamos, as coisas não serão como antes, mas também não precisam ser um “apocalipse cotidiano”