05 julho 2021

Ficando Velho

                       


No final desta semana estarei completando 50 anos, confesso que não achei que chegaria a essa idade, pois os caminhos que percorri foram longos e às vezes tortuosos, mas também foram alegres e de muito aprendizado.

Um histórico de vida seria um saco para mim e o leitor, mas algumas passagens deste cinquenta anos devo comentar. Nasci “nativo analógico”, não “digital”, sendo assim na casa onde fui criado havia um telefone discado, uma vitrola, éramos sortudos havia duas televisões, mas basicamente tínhamos que dividir o uso dos eletrodomésticos e aparelhos elétricos em geral. Quando o telefone tocava corríamos para atender, às vezes nem tocava a segunda vez. Minha avó dominava a tv da sala das dezoito horas em diante, pois era hora de ver as sagradas novelas. Meu avô monopolizava a vitrola, ouvindo música clássica enquanto datilografava como uma metralhadora a velha máquina de escrever Hamilton. Ah! eu fui criado pelos patrões da minha mãe , que era empregada doméstica, os chamava de avós. Neste ritmo da escola , cursinho de inglês, estudos de violão, treinos de judô, pegar onda no Posto Dez, levei boa parte da minha infância e adolescência. O que foi muito bom, pois tenho a impressão que sou a última geração que conseguiu ler livros do começo ao fim.

Deixando as rabugices de lado, tento olhar para frente com otimismo. Hoje podemos aprender quase tudo on-line, eu mesmo baixei um tutorial de Java, para aprender a programar nessa linguagem, coisas que se faz cada vez mais necessário, entender a "máquina por dentro”. Crítica interna e externa nunca foram tão imprescindíveis no mundo coalhado de "fake news”, onde a ilusão se torna quase palpável, a exemplo dos programas de realidade aumentada. Outro dia, um garoto caçando Pokémons trombou comigo. 

Com a pandemia do Covid 19, redimensionamos as relações, nunca foi tão imperativo amar e dizer “eu te amo”! Cuidar do próximo, mesmo que ele não seja seu parente,  em vista de tantos que se foram de uma hora para outra, descobri que o verdadeiro valor está nas pessoas e no seu coração.

Posso dizer que fui privilegiado , pois assisti a queda do Muro de Berlin, vi shows maravilhosos, pude desfrutar do amor de uma mulher, e ainda desfruto. Vi os exoplanetas saírem da ficção científica e virarem realidade, vi o novo século entrar festivo em fogos de artifício na praia de copacabana, provei pratos refinados e também me refastelei com “a baixa gastronomia" carioca. Conheci o blues e o Samba do Circo Voador, amanheci várias vezes no alvorecer da Pedra do Arpoador. Virei noites estudando iconografia histórica, bem como filosofando em algum botequim da Lapa. Li Kerouac e seu “On the road”, fazendo eu mesmo minhas viagens mochileiras por esse mundo.

Parafraseando o mestre , “confesso que vivi”(Pablo Neruda), entre trancos e barrancos me sai bem até aqui, afinal estou escrevendo essa crônica, gozando de alegria e boa saúde. Espero envelhecer com sabedoria e compaixão, que todas distopias não passem de ficção, e o mundo seja mais parecido com “Star Trek” e sua economia voltada para o acúmulo de saber, mais do que a acumulação de capital. Queria ter vida suficiente para ver a fome perecer, ver a solidariedade de Durkheim acontecer nas ruas e praças, aprender a lição de “Ofertas de Aninha” de Cora Coralina, enfim aprender a viver bem comigo mesmo e com o outro ser humano , meu irmão fraterno.