20 dezembro 2008

Faça Um Glu-Glu Para O Livreiro

Escrever sobre minha estadia trabalhando nesse famoso sebo de Copacabana está se tornando um vício muito prazeroso! Assim mais uma vez vos trago um episódio passado neste lugar.
Bem se sabe que a vida do comércio tem seus altos e baixos, as vezes muito mais baixos! Num dia desses de chuva, em que o carioca derrete como açúcar se sair na rua, estávamos eu e Leandro, meu parceiro de turno, totalmente entediados na loja. Já tínhamos arrumado tudo, conferido as novas compras, botado preço, organizado as estantes, realmente a loja estava um brinco, só faltava o principal, o cliente. Nesse marasmo, cercado por parte significativa do saber humano, Leandro se contorcia no balcão. Ia até a vitrine da loja, olhava o dia turvo, a chuva que caia sonolenta respingando o vidro da frente. Seu olhar de desconsolo e inconformidade dava pena de se ver! Foi quando percebi um lampejo, um “brainstorm” possuindo a mente do meu parceiro, ele sentou no computador e rapidamente confeccionou o que me parecia um cartaz, correu para o fundo da loja onde havia uma sobra de um lote de vinis que não sabíamos que fazer, sacou um dos Lps e me disse:
- Cara! Vamos fazer uma promoção!
Ele mostrou o disco do Sergio Malandro, veterano apresentador de TV e humorista, no cartaz estava escrito em fonte grande:
Faça Um Glu-Glu para o Livreiro e leve Sergio malandro de Graça!!!
Na hora de uma gargalhada, pois realmente a piada era boa, “vem fazer glu-glu” era hit trash dos anos oitenta, que quem tem menos de trinta anos não deve lembrar. Eu duvidava quem alguém ia pagar esse mico para levar o disco, realmente cantar a musica, e mais, fazer o gesto do apresentador meio que cantando o Livreiro, era constrangedor demais! Leandro nem me ouvia, afirmava com veemência:
- Veio! Isso vai agitar a loja!
Naquele dia lamacento, realmente poucas pessoas entraram na loja, as poucas que entraram nem perceberam o cartaz, mas ele ficou lá em destaque. Nos dias subsequentes algumas pessoas reparavam na promoção, umas achavam estranho, outras morriam de rir, mas nem uma teve coragem de topar a brincadeira pelo Lp.
Numa segunda-feira tórrida, daquelas que até o Cristo redentor se abana, estávamos nós quase na hora de trocar o turno de trabalho no sebo, quando adentra a loja um argentino, sabíamos que era portenho pois tinha um cabelão, costeletas grandes e falava com a língua frouxa nos dentes. Na hora que o gringo viu o Lp do Sérgio Malandro foi amor a primeira vista, ele afobadamente se dirigiu a mim apontando o disco e perguntou!
- Quanto!? Quanto!?
Olhei para o Leandro e disse:
- Velhinho você inventou a promoção, agora explica para ele.
Leandro desenrrolou a língua como o gringo, num “portunhol “ de dar gosto de ver, o argentino fazias caras e bocas, fazia gestos que significavam dinheiro, estava disposto a dar o que fosse pelo Lp, mas Leandro estava irredutível queria o “ Glu-Glu! Vendo que não haveria jeito de possuir a relíquia trash sem cunprir a tarefa da promoção, sucumbiu. Pediu para gente tocar a musica, porque assim a capela não ia rolar. Obvio que botamos o Leandro sentado atrás do balcão, o argentino ia fazer o show para ele.
Assim começou a rolar na pick-up da loja “Vem fazer Glu-Glu”, o gringo rebolava, jogava beijinho, fazia o sinal do glu-glu para o Leandro atrás do balcão, a loja estava cheia, e o povo ria solto! Depois de tudo acabado, nosso dançarino de ocasião, saiu da loja feliz e contente com seu troféu de baixo do braço. Leandro ria meio constrangido ouvindo as piadas do Marcelo, um dos donos do sebo que dizia:
- Não sei se ele gostou mais do disco ou de fazer Glu- Glu para você!
Também não me furtei a completar a ironia:
- Ai Leandro! Acho que rolou um sentimento! Acho que o gringo gamou!
Leandro dava de ombros e se deleitava com a promoção cumprida, prometendo mais emoções hilárias no nosso sebo.

16 dezembro 2008

Manuel Carlos e o Reino Encantado do Leblon

Mais um dia em um famoso sebo de Copacabana. Cheguei como sempre nos pontuais 15 minutos de atraso para o expediente do dia. Meu companheiro de turno, Leandro já estava lá com o loja aberta, e os bibliófilos matutinos já estavam povoando a loja. Quilos de lixo estavam nos fundos no chão, os alfarrabistas chamam de lixo livros de Best seller , livros de banca de jornal e qualquer livro de grande tiragem, pois não tinham muito valor de revenda . Sidney Sheldon, Danielle Stills, Paulo Coelho, centenas deles estavam lá, olhei com espanto e perguntei:
- Onde estão as coisas boas que valeram esse lixo todo?
Leandro apontou uma pilha de uns 120 livros no canto da loja. Geralmente as pessoas quando vendem livros usados, vendem livros de algum parente que morreu, vendem porque querem se mudar e não querem levar peso, e querem que o sebo leve todo o lote. Nisso os livros de valor vem misturados com o lixo. Estavam lá extraídos da massa de “Sabrinas “ e “Julias”, uma coleção completa do Asimov, vários volumes do Nelson Rodrigues, sem falar em Flaubert, Guy de Maupassant e outros. Literatura assim da gosto de um Livreiro vender.
O sebo também é um lugar de discussões acaloradas sobre literatura, política , história e assuntos que tenham haver com publicações e livros. Nesse dia em especial estava lá um professor de literatura da UFRJ, Prof. Antonio Carlos, um aficionado que era cliente do sebo desde de que abriu, ia lá sempre não só para achar raridades, mas bater um papo sobre elas. Não existe nem um lugar melhor no mundo para um bom papo sobre livro e cultura do que um sebo. Leandro e o Professor debatiam sobre novelas, nosso literato segurava um volume de “Senhora” de José de Alencar, e divagava sobre o folhetins dos jornais do século XIX e como eles influenciaram a origem das telenovelas. Leandro acrescentava:
- A Novela para mim é crônica social brasileira! Falava animado com o papo. O professor também animado continuava a falar:
- É, se observarmos bem, vários clássicos da literatura nacional foram adaptados para televisão, os revitalizando e os inserindo no contexto popular, como “Gabriela” do Jorge Amado.
Tudo ia bem no nosso debate matutino, varias conexões , as novelas e crônica da cidade, Lima Barreto e Janete Clair andavam de mãos dadas nas nossas elucubrações. Até que o Professor resolveu citar o Manuel Carlos e suas novelas, como por exemplo “Por amor”, e como ele fazia a crônica da vida privada carioca. Nessa hora Leandro ficou indignado, e teceu seu comentário mordaz:
- Ah não Professor! Esse cara não dá! Manuel Carlos e Reino Encantado do Leblon, onde a madame, o segurança e a faxineira moram no mesmo bairro, e mais, compram no mesmo supermercado! Esse cara faz a crônica da ilusão carioca, isso sim!
Gargalhadas ruidosas perturbaram o clima de silencio da loja, até quem não estava no papo riu também. O Professor não conseguiu conter os risos , assentiu com a cabeça e fez um sinal de O.K.

10 dezembro 2008

Intelectual de Bolso

Hoje ! Um dia modorrento, no qual o calor faz as maiores moscas varejeiras pouparem energia, rastejando em vez de voar. Vasculho as velhas caixas empilhadas no quartinho dos fundos da casa, misturando meu suor as lembranças poeirentas de uma vida que parece curta na minha memória, mas imensa na materialidade das tralhas acumuladas.
Aquele livro do Nietzsche que nunca li, mas sempre citei pela orelha, o disco do Bruce Springsteen, todo aranhado de tanta festa, o Boquen (espada samurai de madeira) do Aikido, que tanto me ajudou a aprender a arte de não lutar, o retrato da velha namorada, amor infinito mas que não teve nada de eterno, nem durou. Estava atrás de um texto para fazer citação em um artigo, ma acabei me perdendo na memória material de uma vida que parecia ter escorrido pelos dedos como o tempo , mas agora se demonstrava ter sido ponteada por inúmeras façanhas cotidianas. Nem lembrava mais, mas ali estavam guardados todas minhas provas e trabalhos de faculdade, os dez, os oito e por aí vai... Como um caminho , todos estavam arrumados por datas e semestres concluídos. Passando meus dedos por eles, li e reli as agruras e sucessos de minha vida acadêmica, algumas coisas que acreditava, e hoje não acredito mais, idéias que não desenvolvi, e outras que viraram minhas mais fiéis certezas de bolso, todas nessa trilha retalhos que se amalgamaram no que penso e sou.
Voltei ao meu notebook para ver se terminava o meu artigo, mas a concentração já tinha ido para o espaço, na minha saudosista visita ao passado me perdi do que tinha que fazer. Assim resolvi dar uma passeada no mundo cibernético. Fui ao blog de meu dileto amigo Pereira o “Nemeton”, lá ele da vazão aos seus pensamentos e opiniões sobre nosso universo cultural e intelectual. Crônicas que vão de Metallica a Jung, uma coletânea impressionante de conhecimento em extratos que suscitam excelentes reflexões. Ele respondia a um comentário meu sobre uma crônica sua, e me aconselhava olhar as postagens anteriores para elucidar meus questionamentos. Assim o fiz. Para meu deleite e surpresa refiz o pensamento de meu amigo, nos fragmentos soltos percebi também o caminho que ele fez na sua formação. Na colcha de retalhos de nossas suposta intelectualidades sacamos de nossos bolsos de conhecimento, opiniões e reflexões sobre o que nos inquieta e fascina. No Blog, veículo silencioso, expomos tudo que queríamos que fosse lido por nossos interlocutores ausentes, tudo que um dia ficará guardado nesse empoeirado quartinho virtual.