27 julho 2008

Crônica 12: Porque Dizer Eu Te Amo

Na verdade não existe muita razão para o enaltecimento dessa sentença, dessa declaração que na língua portuguesa parece tão musical, e o é!
Por falar em musica, essa arte da poesia em movimento, usou e abusou do direito de dizer “eu te amo”, nas linhas e entrelinhas, até quando os lábios do cantor não proferiam as três palavrinhas, a melodia as dizia em notas magistrais. Sem falar nas pinturas, que desde de paisagens marinhas, as representações de parques, pode-se ver sempre um espaço para o casal de namorados que exercitam em seus beijos as três palavrinhas.
Pensando nas motivações que nos levam a dizer tal frase a uma pessoa, me apego as reflexões de Rolland Barthes, que no seu magistral livro “Fragmentos do discurso amoroso”, não analisa o amor e sim seu discurso, visto a impossibilidade de dar conta de tal sentimento nas formas tradicionais do pensamento filosófico ocidental. Assim, lanço mão de seu conceito de “Desrealidade”, onde os amantes vivem uma realidade quase paralela, um mundo particular dos enamorados, onde os sentidos e usos dos símbolos são próprios dos amantes, sua linguagem é particular . As três palavrinhas são assim o fio condutor do sentimento único que sedimenta as ações no mundo real, dize-las solidifica a união , mesmo que você as diga de longe , no celular ou no messenger da internet.
Afora as explicações filosóficas, há quem se recuse a dizer essa frase, por medo, ou, zelo excessivo, guarda a sete chaves para um momento especial, apesar de não se saber ao certo qual é ele, qual a hora culminante, qual o clímax onde ela deve ser proferida. Sinceramente nunca soube a hora precisa de dize-la, as pessoas que as guardam demais a desperdiçam por justamente preza-la demais e não dize-la quando tem vontade.
Se pensarmos nos poetas, nunca houve na língua portuguesa um como Vinicius de Moraes, que dizia a três letrinhas como quem pedia pão na padaria, mas sem perder a força dessa locução, sem perder a magia dos olhos da amada ao receber tal afago vocabular. Versou o amar e ação desse amor como ninguém e disse “Eu te amo” nos salões e nos botecos encantando mesmo quem nunca tinha ouvido isso de alguém, acalentando o coração.
Razão e sentimento se confrontam na hora de professar o amor através das palavras mais ditas nas canções, poemas e filmes. Trazendo-a para nossa vida cotidiana é bom dize-las quando elas saltarem na boca junto com o coração, dize-las quando nem um temor restar e só a emoção fluir nas faces, dize-las simplesmente por que se tem vontade!

Marcos Khanm

26 julho 2008

Crônica 7: O Apito

São 8:00 horas! Hora de levantar! São 8:00 horas! Hora de levantar! São 8:00 horas! Hora de levantar!!!!!!!! Assim sentencia o despertador falante do meu telefone celular. Em tempos passados o toque do apito da fábrica ditava o ritimo das horas, já foram as badaladas do sino da igreja nos tempos medievais.
No mundo moderno uma infinidade de barulhinhos nos alertam, avisam e disciplinam, nos guiando por mundo traduzido em sons artificiais. O velho Trim... Trim... do telefone foi substituído por infinidade de toques difusos , que ora podem ser musicas , frases de efeitos ou outros sons abissais, que alegram os jovens e deixam intrigados os mais velhos.
Hoje em dia temos que discernir entre vários chamados sonoros, selecionado automaticamente a resposta certa ao estimulo, as vezes me parece que vivemos um sonho de Pavilov ( descobridor do reflexo condicionado), em um mundo de sons e ações pré-programadas.
Ontem fui a um parque , vi um homem com seu cachorro brincando animadamente, o cão explorava o terreno animadamente. Em um momento o dono do cão soprou um apito, o qual o som não ouvi, o cachorro prontamente obedeceu ao chamado inaudível para mim, e seguiu com seu dono. Aí me pergunto: Qual a diferença de nós para o cão? Quantos apitos invisíveis, e inaudíveis nos obedecemos?

23 julho 2008

"O Velho Torto"

Taplac... klac.... Taplac... Blum, blum blum....
Ruidosamente se abria a porta metálica do sebo, alguns viciados literários já me esperavam na porta , ávidos por novidades e raridades, apesar de ser um sábado de sol em plena e ensolarada Copacabana, parecia que aquelas criaturas pálidas respiravam o ar da Londres de Lorde Byron. Sabe... Sebo é para-raio de maluco, no sábado como aquele, eles batiam ponto na loja. Deixei os tarados bibliófilos a vontade e fui ligar o computador e abrir o caixa da loja. Nessa instante entra na loja meu companheiro de trabalho, Leandro, com uma cara de ressaca e sorvendo um café de boteco fumegante. Eu também estava meio com dor de cabeça pela noitada do dia anterior, por isso mesmo nem tinha ligado o som. Leandro mesmo com ar nauseabundo causado pela réstia de caraspana( também conhecido como rebordosa, feedback de ressaca), fuçou o pilha de disco que tinha chegado na noite anterior , quando seu rosto se iluminou ao vislumbrar um Lp, eu temeroso, pois o gosto musical do meu amigo era meio duvidoso, perguntei:
- What porra is that? ( Que porra é essa para os íntimos)
Ele não falou nada, deu um sorrisinho de canto, ligou a vitrola. Cara... Já sabia que vinha bomba, mas não sabia qual era, num instante ouvi uma introdução musical adocicada e uma voz fininha cantando:
- Voar, voar!
- Subir, subir!
Era Biafra a cotovia de Niterói! Nada contra quem gosta dele, mas para um amante do Rock’n’roll como eu, e de ressaca, aquilo era quase como um murro auditivo. Na hora vociferei:
- Tira esse negocio, se não nossa amizade vai ficar muito abalada!
Nessa mesma hora, adentrou a loja o personagem central dessa história, “O Veio Torto”! Um senhor dos seus cinqüenta anos, que tinha uma deformidade nas costas que não o deixava ficar hereto. Sempre vinha acompanhado de um garotão moreno em trajes de ir a praia. Perguntava sempre pelo mesmo livro numa voz gutural, com sotaque nordestino, que parecia vir das profundezas:
- O senhor tem aí Menino de engenho de José Lins do rego?
Separávamos todos os exemplares que comprávamos para ele, mas se o livro não estivesse em bom estado ele logo reclamava:
- Esse livro ta muito arrombadinho, muito aberto, não gosto de coisa arrombada, gosto de coisa apertadinha, fechadinha!
Assim os exemplares muito danificados ele não levava. Nesse dia não tínhamos nem um exemplar do seu livro predileto. Ele rodou toda a loja e parou na seção de revistas eróticas, virou a cabeça para olhar para alto mirando uma revista em especial, assim pediu a ajuda de meu parceiro de trabalho:
- Leandro meu filho, me alcance aquela revista ali?
Leandro prontamente foi lhe ajudar, perguntando:
- Que revista o senhor quer?
O velho deu um sorrisinho e respondeu:
- Aquela G Magazine ali meu filho.
Leandro pegou a revista com certo estranhamento, mas o cliente sempre tem razão, e disse:
- Sabe, isso é para meu sobrinho, aquele que vem sempre comigo de shortinho, mas eu não gosto disso muito não.
Leandro assentiu com cabeça meio constrangido, voltou a seus afazeres.
O Velho se dirigiu ao caixa, pagou a revista e disse:
- Sou fã de José Lins do Rego, sempre que tiver eu compro, mas se aparecer mas dessa revista guarde para mim, quer dizer, para meu sobrinho.
A vida de sebo é de causos e contos o veio torto deve ainda andar pelas ruas de Copacabana atrás de José Lins do Rego, ou talves, atrás do Rego de José Lins.

Marcos Bezerra, ou como preferirem, Marcos khanm