19 dezembro 2013

Keruac pelo Brasil

Tem algumas vantagens em ser professor, apesar de não haver muitas, uma delas é que em plena tarde de quinta feira acabei de assistir a transposição cinematográfica de “On the Road” de Jack Keruac, dirigida pelo Walter Salles. Para quem leu livro sempre falta alguma coisa, outras foram adicionadas para que a linguagem do cinema fluísse, apesar de achar que Keruac é muito narrativo e teatral, sendo a adaptação para a telona bem tranquila. Enquanto via o filme minha cabeça “queimava”, “burn”! Porém não tanto quanto o personagem Dean Moriarty. E pensava o que teria acontecido se o nosso querido “Sal Paradise” tivesse aportado no Brasil ao invés do México, sua viagem para o sul fosse, assim, um pouquinho mais longa. Bem de primeira ele ia sentir a diferença de temperatura, contudo em 1951 ano que o personagem vai para o México o efeito estufa era menor. Se ele quisesse cruzar o país de trem tava lascado, pois as poucas ferrovias que existiam estavam sendo desmanteladas pelo nosso sorridente “presidente Bossa Nova”, Juscelino Kubitheck . “Governar é abrir estradas” (de rodagem), com esse lema na cabeça Sal poderia talvez comprar um automóvel na nova industria automotiva que se instalava no Brasil. Claro se ele tivesse dinheiro o bastante, pois carro era coisa de rico, e nosso Sal sempre vivia duro pegando carona pelas estradas. Carona também seria um problema, pois a carona solidária não faz parte da cultura do brasileiro, se não modernamente não teríamos tantos engarrafamentos, com os carros ocupados só pelo condutor. Assim Sal iria gastar muita sola de sapato, ou talvez pudesse pegar o ITA, transporte naval que ainda havia por aqui a época, mas isso só valeria para o Litoral. O interior do país ainda estava sobre os auspícios e explorações dos irmãos Villas- Boas, assim para não se arriscar a pegar malária e levar uma flechada, acho que ele ficaria pelo Rio mesmo. Quanto a diversão nosso andarilho do norte não teria problema, as praias de Ipanema e Copacabana ainda não tinham línguas negras devidos as chuvas, apesar da geração do “desbunde” que só viria duas décadas depois, acho que ele não teria dificuldade de arranjar uma “erva” e degusta-la no Arpoador olhando o pôr do sol. Jazz assim que nem New Orleans não ia encontrar, mas como bom andarilho o morro ele podia visitar, lá no samba ele ia se deleitar! O morro idílico, de “Ave Maria no Morro” , “Gente Humilde” e “Eu sou o Samba” ainda existia. De certo degustaria uma saborosa feijoada das herdeiras de “Tia Ciata”. Ainda sim se sentisse saudade do Jazz, podia aparecer no Beco das Garrafas, ver a rapaziada da Bossa que fazia assim “um jazz diferente” cheio de ginga, nossa ginga. Coma a Pacificação, a primeira, a praça onze já não existia mais, contudo a Lapa tava lá. Menos chique que hoje, mas haviam vários muquifos onde ele poderia descansar os ossos até a nova noitada. Imagina o papo que seria nosso Stanislaw Ponte Preta e Sal Paradise, papo de heterônimos brilhantes. Enquanto Ponte Preta falava das “Certinhas” e do Carnaval, Paradise falaria de “Frisco”( São Francisco), de Marylou e do Jazz. Entre um gole de uísque e outro, entre um samba de Cartola e uma canção de Duke Ellinghinton uma parceria inusitada poderia surgir . “O samba do Criolo Doido em New York! Imagina?! Para voltar para casa, pois Sal sempre volta para casa, ele teria que voltar de navio, lavando pratos quem sabe. Porque avião era caro demais, e os voos transcontinentais estavam engatinhando. Se despediria de uma mulata no cais da Praça Mauá com sua surrada mochila, levando experiências e impressões desse Brasil que mudou muito desde 1951, mas que em algumas coisas não mudou nada. O que será que ele escreveria sobre nós? PS: Essa crônica foi escrita ao som de Nina Simone, para entrar no clima.

19 novembro 2013

O Inimigo

Há alguns anos atrás peguei uma carona com um amigo do treino de Aikido, o Dudu. Saiamos da garagem da academia quando de repente surgiu uma um garoto na janela do carro vendendo balas. Dudu levou um baita susto e desabafou: - Que mundo é esse onde temos que ter medo de uma criança? O mundo deu muitas voltas e uns dias atrás eu passava pelo largo da Freguesia, em Jacarépagua, e vi umas gaiolas com gatos e cachorrinhos para a adoção. Achei super bacana, e perguntei que era necessário para adotar um gatinho .De pronto a moça que estava atendendo os interessados listou , de forma cadenciada e quase rimada, os riquisitos: - Rg - Cpf - Comprovante de residência - instalações adequadas - Visita de inspeção da residência. Tomei um susto, quanta coisa para levar um gatinho abandonado para casa, quase parece uma adoção de criança. Foi impossível não pensar que poucos quarteirões dali, na cruzamento da Linha Amarela, haviam vários meninos jogando bolinhas para cima e pedindo dinheiro no sinal. Quem dera elas tivessem tanto cuidado como os animaisinhos abandonados. Continuei meu caminho, contudo a reflexão ainda martelava minha cabeça. Um dia os grandes inimigos da cidade, como os traficantes, foram crianças. Moradores de favelas, áreas de risco e violência, talvez tenham pedido em sinais fechados, cometido pequenos furtos, e foram completamente ignorados e até olhados com desconfiança como o garoto das balas e os do sinal. No discurso político é recorrente, em todos os níveis, a tônica do “combate a pobreza” . Ora, se combate o quê e quem? Não é o inimigo? Pode parecer besteira, mas esse termo está repleto de significado, e gera posturas decorrentes disso. A gerações estamos tentando combater as mazelas da cidade, como violência e desordem urbana, com medidas paliativas que só maquiam a situação real. O “Favela Bairro” foi um exemplo disso, que não resolve os problemas da favela, nem transformou o lugar num bairro com a reformulação efetiva do espaço. Espaço este que serve muito bem ao inimigo, pois as crianças que foram Fernandinho Beira Mar, Uê, Elias Maluco se tornaram o inimigo e poderoso. Enquanto nós não tivermos coragem de eleger pessoas capazes de efetivamente tomar atitudes, que reorganizem a cidade, sem obras de embelezamento. Mas urbanização efetiva das favelas, reformas e manutenção das escolas, tratamento digno a professores, médicos e servidores que trabalham de verdade. Enquanto tratarmos crianças como o “Inimigo” e gatos e cachorros como crianças, a coisa vai continuar como está.

06 novembro 2013

O "Bem" do Governar

Nesses dias em que governar para os visitantes, mais do que para os habitantes da cidade está em plena moda. Vinha eu no metro, semi- enlatado, pois já eram onze horas da manhã, não era hora de rush, contudo estava bem cheio. Ouvindo aquele clássico Rock´n´Roll, que hoje em dia é coisa de velho, meditava sobre as mudanças urbanísticas da cidade. Relembrando os estudos de Brasil, pensava nas coisas que eu li sobre a “Revolta da Vacina”. No contexto da Belle Epóque, o prefeito Pereira Passos perpetra uma grande reforma no Rio de janeiro do começo do século XX. O objetivo era transformar o Rio numa “ Paris dos Trópicos”, acabar com as ruelas e os cortiços que remontavam os tempos coloniais. Também era necessário acabar com enfermidades e pestilências que assolavam a capital federal. Para essa árdua tarefa o médico Oswaldo Cruz foi convocado. Uma das medidas era a vacinação obrigatória. O quê para nosso olhos parece uma coisa boa, para o populacho da época parecia uma abominação. Inocular, injetar o vírus , ou seja, o bichinho da doença, na gente para prevenir a mesma? Loucura!!!!!! Assim no contexto das demolições e remoções que aconteciam na cidade, uma grande revolta aconteceu. Hoje vendo a cidade passar pelas vidraças do trem do metro, pelos menos no seu trecho de superfície, mas também nas vidraças dos coletivos. Me pergunto: Que remodelagem da cidade é essa agora? O que nós estamos fazendo para que os europeus se sintam melhor entre nós, é válido? Que vacina é essa que estamos inoculando para sermos “a cidade olímpica” ? Lembrando as coisas que aprendi com “Tio Aristóteles”, onde a política era arte da boa governança da Polis(cidade) em benefício dos cidadãos. Creio que não é o que está acontecendo no Rio hoje. Que toda cidade precisa de manutenção, melhorias e avanços é “obvio e ululante”. Contudo persiste a sensação de que tudo que está sendo feito é para o conforto das autoridades e empresários que vem ver tanto Olimpíada quanto a Copa do mundo, a exemplo do intuito de demolir o estádio Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare no Complexo do Maracanã, para fazer estacionamento para os figurões. Sei que estou “chovendo no molhado” mas remodelar o Porto enquanto tem tanta rua sem asfalto e com rede de esgoto precária, me parece absurdo. Mas um dia ouvi numa mesa de bar que “vivemos no país dos absurdos”... Sem mais casuísticas , é necessário que sejamos consultados sobre tudo isso que está acontecendo, as pessoas que precisam acessar o centro da cidade não foram questionadas se queriam que seu ônibus de sempre não chegasse mais ao seu destino original. Sei também que vivemos numa democracia representativa, onde o poder é delegado aos políticos, mas mudanças fundamentais na vida do cidadão tem que ser perguntadas. Hoje em dia não faltam meios de fazer isso. Nos tempos em que vivemos a “razão de estado” não pode mais ser “uma prerrogativa do Príncipe”, ela tem que andar par e passo com as necessidades do cidadão. Como nos tempos da “Revolta da Vacina”, onde as pedras do calçamento recém trocadas, eram armas contra os agentes de vacina e polícia, hoje os Black Blocs são a expressão mais radical da insatisfação popular. Não que a violência seja o meio apropriado de ação, mas ela é um sintoma da tensão social. Maquiavel na sua mais famosa obra, “O Príncipe”, discorre sobre a arte do bem governar , mas creio que sua maior lição está na dedicatória que este faz a seu antigo empregador Lorenzo de Médici – Dodge de Florença – onde ele diz: “Aquele que quer conhecer a montanha deve ir a planície, bem como aquele que quer conhecer a planície deve subir a montanha. Para conhecer o povo é necessário ser príncipe, para bem conhecer o príncipe é necessário ser povo.” No nosso caso os governantes estão pouco se colocando em nosso lugar. Voos de helicóptero, gastos sem licitação, escolas e hospitais caindo aos pedaços, profissionais mau remunerados. O Bem que o governar pode trazer, é o Bem Comum. Todo o resto é controle, domínio e exploração.

09 outubro 2013

Desistir do "Jeitinho"?

Numa das tarefas mais cotidianas que existe, ir ao supermercado, me peguei refletindo sobre o Ethos(comportamento) do cidadão carioca. A fila expressa, que só permite comprar vinte produtos, por incrível que pareça é a mais lenta. Muitas pessoas não respeitam o limite de produtos, os idosos , gestantes e deficientes preferem não ir aos caixas preferências engrossando a fila expressa. Me chamou também a atenção uma senhora que se posicionava na beira do caixa, que dizia para as pessoas assim, “pode passar, pode passar, to esperando meu esposo”, ou seja, estava guardando lugar na fila. No ato pensei naquele cartaz que existe na Disney , escrito em português, proibindo furar ou guardar lugar na fila. Quem bota alguém para guardar lugar na fila quer poupar tempo, só me pergunto por que o tempo dessa pessoa é mais importante que o meu? Que esperei um tempão na fila. Eis o “X” da questão, o tal “Jeitinho “ tão arraigado ao cotidiano nosso. O célebre Mario de Andrade já o citava quando contou as aventuras de “Macunaíma – o herói sem caráter “. Outro questionamento invandiu minha mente de roupante: Seria o “Jeitinho” a origem e justificativa da graçante corrupção desse país? Obvio, desde de Julio César e o Império Romano, e até antes, as civilizações convivem com o descomprimento de leis e normas, desvio de recursos e crimes. Contudo esse aspecto do torcer a norma que aqui na nossa gente, parece muito peculiar. Conversando com amigo holandês ele ressaltou que no Brasil, essa corrupção atinge todos os estratos da sociedade, como por exemplo o fiscal de trânsito que recebe propina para não multar alguém. Também ele repara que há um prazer, um gozo em transgredir regras simples de convivência, para obtenção de vantagens irrisórias como furar uma fila. Jeitinho tão natural, com o qual os mais pobres, os mais humildes sobrivivem aos desabores da vida, tão retratado por Sergio Porto, o “Stanislaw Ponte Preta”, ao falar da família do Bairro da Boca do Mato e suas intempéres. Ariano Suassuna, quando retrata a história de João Grilo e Chicó, que até o Diabo emendam. Constitutivo de uma identidade, um “inconciente coletivo”(Jung) que parece as vezes licenciar atos mais hediondos, como a corrupção dos políticos e governantes. Nesse momento que protestos inrrompem em todas as capitais do país, que cobram respeito aos direitos civis e a risca da Lei, é muito profícuo pensar nas atitudes individuais, que afinal de contas conformam as atitudes coletivas, concientes ou não. Há um projeto de nação que é gestado há muito tempo nas Universidades, no Instituto Rio Branco, que vive na boca dos políticos e tempo de eleição. De um país moderno, de base industrial, com um povo instruiído e políticamente ativo, onde estado de bem estar social atinge a todos. Contudo esse projeto esbarra na vontade das elites e dos poderosos em se perpetuarem no poder e no ethos, se não de todos mas da maioria, dos brasileiros, representado alegoricamente pelo “Jeitinho”. Essa crônica não é conclusiva, deixa uma pergunta: Estamos dispostos a mudar, desitir do nosso amado “Jeitinho”?