20 abril 2009

Pequenos Atos Hediondos*

Primeiro ato:

- Você está bem, ta meio quente, quer que eu tire sua temperatura?
- To bem, é só um mau estar, vai passar logo, vou deitar aí no sofá p/ descansar, só vim aqui trazer sua comida, daqui a pouco me vou meu filho.
Fazia um ano que minha avó adotiva tinha ficado doente, aí percebi que a família que eu chamava de minha, no caso a de minha avó, não era tão minha assim. Sorrisos e mesuras, se transformaram em hostilidade, hora velada, hora explicita, todos queriam que logo saísse de valioso apartamento do Bairro da Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro, onde morava desde de meus cinco anos de idade. Minha mãe, que tinha sido empregada daquela família por dez anos, tinha que me levar comida, pois eu estava desempregado. A mente de minha avó estava sendo destruída pelo o Alzeimer, suas entranhas pelo câncer, assim as compras ficavam a cargo de uma Tia, que só comprava o estritamente necessário p/ a enfermeira e a empregada, assim elas agiam como ratos escondendo a pouca comida de mim em armários trancados a chave.
- Meu filho não se preocupa comigo, vai p/ faculdade logo fazer sua prova, é longe e você pode se atrasar no transito!
Me mandei p/ o outro lado da Baía da Guanabara em direção a Uff . O trajeto demorava mais ou menos umas duas horas, mediquei assim minha mãe e foi para Niterói. Lá pelas seis da tarde quando a prova acabou liguei p/ casa.
- Alo, Dona Geralda?
- Sim, Marcos é você? Sua mãe ta muito mal, onde você está?
- O que ela tem?
- Ta sentindo muita dor na barriga, uma cólica muito forte, você tem que levar ela p/ hospital!
- Mas to ainda na faculdade ,vai demorar para eu chegar, tem alguém aí além de você e a enfermeira?
- Sim a Rosa ta aqui.
- Deixa eu falar com ela.
Rosa era a filha casula da minha avó, psicóloga e terapeuta, conhecia minha mãe aos uns trinta e tantos anos. Atendeu o telefone com a voz mais sinistra que eu já ouvi na minha vida!
- O que você quer Marcos, to de saída!
- Rosa pelo amor de Deus, leva minha mãe para o hospital, to ainda na Uff e vai demorar p/ eu chegar aí. Só deixa ela lá na emergência, por favor!
- Olha só, você saiu daqui já sabendo que ela estava doente, por que você foi para faculdade?!
- Rosa! Tinha um prova que eu não podia perder, e ela não estava tão mal assim quando eu sai!
- É eu sei,mas é sua mãe, o problema é seu!
- Rosa! Você conhece ela mais de trinta anos, e você está de carro que eu sei, o hospital é a cinco minutos daí!
- Tenho consulta agora , não posso fazer nada, tenho que trabalhar, coisa que você devia fazer!
- Porra! To pedindo para você ajudar um ser humano que você teve contato a sua vida inteira! Vocês não fazem juramento como os médicos caralho!
Nessa hora meus tímpanos quase estouraram, com o barulho do fone sendo quase esmagado contra a base do mesmo lá em casa. Ela bateu o telefone na minha cara! Liguei de novo.
- Alô ? Dona Geralda a Rosa ta aí?
- Marcos, iiiii, ela saiu bufando!
- E minha mãe?
- Ainda ta passando mal.
- Fala para ela que eu vou dar um jeito!
Liguei para um grande amigo que morava perto de mim, sorte ele estar em casa, socorreu minha mãe e a levou ao hospital ficando com ela até que eu chegasse.

*Publicarei em partes os atos, que fazem parte de uma obra maior e ainda incabada.