19 novembro 2013

O Inimigo

Há alguns anos atrás peguei uma carona com um amigo do treino de Aikido, o Dudu. Saiamos da garagem da academia quando de repente surgiu uma um garoto na janela do carro vendendo balas. Dudu levou um baita susto e desabafou: - Que mundo é esse onde temos que ter medo de uma criança? O mundo deu muitas voltas e uns dias atrás eu passava pelo largo da Freguesia, em Jacarépagua, e vi umas gaiolas com gatos e cachorrinhos para a adoção. Achei super bacana, e perguntei que era necessário para adotar um gatinho .De pronto a moça que estava atendendo os interessados listou , de forma cadenciada e quase rimada, os riquisitos: - Rg - Cpf - Comprovante de residência - instalações adequadas - Visita de inspeção da residência. Tomei um susto, quanta coisa para levar um gatinho abandonado para casa, quase parece uma adoção de criança. Foi impossível não pensar que poucos quarteirões dali, na cruzamento da Linha Amarela, haviam vários meninos jogando bolinhas para cima e pedindo dinheiro no sinal. Quem dera elas tivessem tanto cuidado como os animaisinhos abandonados. Continuei meu caminho, contudo a reflexão ainda martelava minha cabeça. Um dia os grandes inimigos da cidade, como os traficantes, foram crianças. Moradores de favelas, áreas de risco e violência, talvez tenham pedido em sinais fechados, cometido pequenos furtos, e foram completamente ignorados e até olhados com desconfiança como o garoto das balas e os do sinal. No discurso político é recorrente, em todos os níveis, a tônica do “combate a pobreza” . Ora, se combate o quê e quem? Não é o inimigo? Pode parecer besteira, mas esse termo está repleto de significado, e gera posturas decorrentes disso. A gerações estamos tentando combater as mazelas da cidade, como violência e desordem urbana, com medidas paliativas que só maquiam a situação real. O “Favela Bairro” foi um exemplo disso, que não resolve os problemas da favela, nem transformou o lugar num bairro com a reformulação efetiva do espaço. Espaço este que serve muito bem ao inimigo, pois as crianças que foram Fernandinho Beira Mar, Uê, Elias Maluco se tornaram o inimigo e poderoso. Enquanto nós não tivermos coragem de eleger pessoas capazes de efetivamente tomar atitudes, que reorganizem a cidade, sem obras de embelezamento. Mas urbanização efetiva das favelas, reformas e manutenção das escolas, tratamento digno a professores, médicos e servidores que trabalham de verdade. Enquanto tratarmos crianças como o “Inimigo” e gatos e cachorros como crianças, a coisa vai continuar como está.

06 novembro 2013

O "Bem" do Governar

Nesses dias em que governar para os visitantes, mais do que para os habitantes da cidade está em plena moda. Vinha eu no metro, semi- enlatado, pois já eram onze horas da manhã, não era hora de rush, contudo estava bem cheio. Ouvindo aquele clássico Rock´n´Roll, que hoje em dia é coisa de velho, meditava sobre as mudanças urbanísticas da cidade. Relembrando os estudos de Brasil, pensava nas coisas que eu li sobre a “Revolta da Vacina”. No contexto da Belle Epóque, o prefeito Pereira Passos perpetra uma grande reforma no Rio de janeiro do começo do século XX. O objetivo era transformar o Rio numa “ Paris dos Trópicos”, acabar com as ruelas e os cortiços que remontavam os tempos coloniais. Também era necessário acabar com enfermidades e pestilências que assolavam a capital federal. Para essa árdua tarefa o médico Oswaldo Cruz foi convocado. Uma das medidas era a vacinação obrigatória. O quê para nosso olhos parece uma coisa boa, para o populacho da época parecia uma abominação. Inocular, injetar o vírus , ou seja, o bichinho da doença, na gente para prevenir a mesma? Loucura!!!!!! Assim no contexto das demolições e remoções que aconteciam na cidade, uma grande revolta aconteceu. Hoje vendo a cidade passar pelas vidraças do trem do metro, pelos menos no seu trecho de superfície, mas também nas vidraças dos coletivos. Me pergunto: Que remodelagem da cidade é essa agora? O que nós estamos fazendo para que os europeus se sintam melhor entre nós, é válido? Que vacina é essa que estamos inoculando para sermos “a cidade olímpica” ? Lembrando as coisas que aprendi com “Tio Aristóteles”, onde a política era arte da boa governança da Polis(cidade) em benefício dos cidadãos. Creio que não é o que está acontecendo no Rio hoje. Que toda cidade precisa de manutenção, melhorias e avanços é “obvio e ululante”. Contudo persiste a sensação de que tudo que está sendo feito é para o conforto das autoridades e empresários que vem ver tanto Olimpíada quanto a Copa do mundo, a exemplo do intuito de demolir o estádio Célio de Barros e o Parque Aquático Julio Delamare no Complexo do Maracanã, para fazer estacionamento para os figurões. Sei que estou “chovendo no molhado” mas remodelar o Porto enquanto tem tanta rua sem asfalto e com rede de esgoto precária, me parece absurdo. Mas um dia ouvi numa mesa de bar que “vivemos no país dos absurdos”... Sem mais casuísticas , é necessário que sejamos consultados sobre tudo isso que está acontecendo, as pessoas que precisam acessar o centro da cidade não foram questionadas se queriam que seu ônibus de sempre não chegasse mais ao seu destino original. Sei também que vivemos numa democracia representativa, onde o poder é delegado aos políticos, mas mudanças fundamentais na vida do cidadão tem que ser perguntadas. Hoje em dia não faltam meios de fazer isso. Nos tempos em que vivemos a “razão de estado” não pode mais ser “uma prerrogativa do Príncipe”, ela tem que andar par e passo com as necessidades do cidadão. Como nos tempos da “Revolta da Vacina”, onde as pedras do calçamento recém trocadas, eram armas contra os agentes de vacina e polícia, hoje os Black Blocs são a expressão mais radical da insatisfação popular. Não que a violência seja o meio apropriado de ação, mas ela é um sintoma da tensão social. Maquiavel na sua mais famosa obra, “O Príncipe”, discorre sobre a arte do bem governar , mas creio que sua maior lição está na dedicatória que este faz a seu antigo empregador Lorenzo de Médici – Dodge de Florença – onde ele diz: “Aquele que quer conhecer a montanha deve ir a planície, bem como aquele que quer conhecer a planície deve subir a montanha. Para conhecer o povo é necessário ser príncipe, para bem conhecer o príncipe é necessário ser povo.” No nosso caso os governantes estão pouco se colocando em nosso lugar. Voos de helicóptero, gastos sem licitação, escolas e hospitais caindo aos pedaços, profissionais mau remunerados. O Bem que o governar pode trazer, é o Bem Comum. Todo o resto é controle, domínio e exploração.