01 agosto 2014

Lei do Silêncio

Quando se vive o cotidiano de uma cidade como Rio de janeiro,e não se está de headphones ou teclando na internet, se pode perceber coisas incríveis no comportamento dos cidadãos. Principalmente no Rio , que é uma metrópole que força a massa trabalhadora a cruzar seus eixos diariamente, também os ricos por vezes são forçados a fazer isso. Assim um grande caldo cultural de habitus( Nobert Ellias) e praticas se desenrola todos os dias pelas ruas da cidade. Um aspecto que chama a atenção e me intriga é o som, mais precisamente o ruído e barulho de fundo dos nossos caminhos. Recentemente um filme foi lançado sobre isso ( O som que nos cerca), me intriga as interações sociais manifestadas e contidas na produção do som. A primeira função que a humanidade encontrou no som foi a comunicação, mesmo antes da palavra, grunhidos e rosnados advertiam, uivos marcavam territórios e por assim em diante. Os usos do som foram se transformando ao longo da história, a comunicação verbal abriu possibilidades infinitas para a transmissão de significados e conhecimento. Contudo uma permanência dos “grunhidos e rosnados” ficou na nossa comunicação. Nas favelas cariocas uma particularidade dessas manifestações sonoras me chama atenção. Pode-se chegar a qualquer hora do dia ou da noite e o burburinho é constante. Bares, jukeboxes, aparelhos de sons residenciais e os terríveis carros tunados com seus poderosos alto falantes, instalados no porta malas, com o som no ultimo volume. Qual a mensagem nesta confusão sonora? Nos meus tempos de tempos de Universidade, me lembro do Edmilson (Prof. de História Moderna) dizer que o burguês( quase sempre estrangeiro) era impedido de possuir terra, de entrar para o Clero ou ser um Cavaleiro, lá no final da Idade Média. Assim o comércio era quase a única atividade a ele permitida. Para demonstrar que ele tinha alguma representatividade na sociedade e se distinguir, após a missa ele se dirigia a praça da cidade e desfilava com sua mulher coberta de ouro. Quanto mais joias a mulher ostentava, mais poder esse homem tinha, claro, dentre os de seu grupo social. Voltando as favelas cariocas, percebo uma correlação entre os dois fatos relatados acima. Na sua maioria os cidadãos moradores das ditas “comunidades” tem renda entre um e dois salários mínimos, casa de “posse” própria (sem escritura formal), são prestadores de serviço no setor forma e informal. Dentro dessa massa como se distinguir? O Som!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Num dia como sexta feira já se pode ouvir o som das serras cortando vergalhão, o lugar onde mais se constrói é a favela, “assentar tijolo é ser gente” , ouvi de um pai de família todo sujo de cimento orgulhoso do bólido assimétrico que ele estava construindo. Das casas se escuta potentes aparelhos de som vociferando o funk, com suas letras minimalistas falando de genitálias em ação. As jukeboxes fazem sua parte oferecendo toda sorte de músicas, num repertório que para os moradores de outras áreas da cidade seria de gosto duvidoso. Para completar o quadro sempre em frente a uma bar há um desses carros tunados, com suas caixas de som aos altos brados, despejando sobre a rua o novo “funk proibidão”. A lógica disso tudo é a mesma do burguês, quem tem mais Watts, mais potência de som se distingue da massa. E pobre coitado de quem não gosta, pouco pode fazer, pois ameaças de espancamento são constantes para quem reclama. Na realidade das favelas pacificadas, só a ostentação das armas cessou, o estado não entrou com a “pacificação social”, as velhas práticas ainda persistem. A “Lei do Silêncio “ impera, não a da constituição que manda guardar a quietude após as 22:00 horas, mas a “Lei do Silêncio” que cala as minorias divergentes, que impõem o estado paralelo, que mantêm o homem na ignorância. O Som é uma das poucas formas de diferenciação social disponíveis a essa população, contudo também é uma das fontes de sua discriminação.