01 outubro 2011

Cuspi & Giz


Lá pelos idos de 1987 estava eu no então segundo grau, no intervalo entre as aulas conversávamos no pátio da escola. Num banco perto da entrada do pátio se sentava sempre meu professor de Biologia, O Chuchu. Cabisbaixo, circunspecto, envolto em uma nuvem de fumaça ele meditava fumando. Alias naquele tempo não era politicamente incorreto, nem proibido fumar nas escolas. Certa vez cheguei perto dele para bater um papo, pois Chuchu era divertido, espirituoso, um verdadeiro show man dando aula. Porém nos intervalos ele ficava no seu cantinho, quieto, meio triste , totalmente diferente do astro da biologia. Me aproximei e perguntei:
- E ai Chuchu, tudo bem?
Ele levantou a cabeça, parecendo emergir de um mundo paralelo para interagir comigo, e dando mais uma baforada no cigarro respondeu:
- Tudo, gostou da aula Marcão?
- Claro foi dez! Mas vou ter que arranjar umas canetinhas coloridas para copiar os desenhos direito. Respondi animadamente.
O velho professor sorriu com canto da boca , projetou a gimba do cigarro longe como num estalar de dedos, suspirou e me disse:
- Duro né Marcão? Dar aula de Biologia no “cuspi e giz”! Se eu tivesse um laboratório, o quê levou duas horas eu mostraria para vocês em quinze minutos. Agente poderia avançar e estudar coisas que nem estão no programa.
Percebi o desalento do meu professor, mas na minha tenra adolescência não realizei a gravidade do quê Chuchu falava. Depois de passar pelos bancos da faculdade de História, e passar algumas agruras da profissão, atino para a carga exaustiva que está depositada sobre as costas do professor.
É senso comum que a sociedade só se transforma através da educação, é também slogan de campanha política. Recorrentes propagandas ressaltam a importância, a relevância e o papel quase messiânico do magistério na sociedade. Um recente fato me chamou atenção, a greve dos bombeiros do estado do Rio de Janeiro. A cidade abraçou a causa, fitas vermelhas eram vistas nos carros, populares aderiram a marcha dos grevistas e lotavam as passeatas. Muito comovente. No mesmo momento os professores do estado também entraram em greve. Na sua passeata só compareceram os grevistas e sindicalistas, acho que nem as mães dos professores foram dar uma forcinha para o movimento! Esses fatos que podem parecer isolados me despertaram a reflexão.
Quando na Grécia antiga o “paidagogos” conduzia o pequeno grego para ser instruído, acredito que o “Grego Pai” não queria que o “Grego filho” virasse “Persa”, não? Assim a origem da pedagogia e da função da escola, era reproduzir a sociedade e cultura onde elas se inseriam. Com o passar do tempo e o desenvolvimento das idéias iluministas, das idéias socialistas, a noção de transformação e revolução foram associadas a educação. Assim sobre os ombros do professor recai a responsabilidade de transmissão de conhecimento e valores , e também munir o aluno de subsídios críticos, para que o educando possa refletir e agir sobre a sociedade. Pesada essa responsabilidade. Cada vez mais a escola no Brasil se torna um depósito de crianças, onde os pais relegam aos profissionais de educação a responsabilidade de instruções básicas, como etiqueta e comportamento social adequado.
Uma equação perigosa, e nefasta, se configura na educação brasileira: Profissionais ultra qualificados, pois pelo menos no Rio de Janeiro as escolas estão cheias de Mestres e Doutores. Condições de trabalho precárias e sub-remuneração. Somada a tudo isso a responsabilidade messiânica de transformar a sociedade, apesar de ser fato que não só a escola é responsável por isso, os agentes sociais, como políticos, sociedade civil organizada ( ONGs, Associações profissionais, e movimentos sócias) e cidadania ativa também são de fundamental importância. Enquanto essa equação persistir creio que nada vai mudar, e como diria meu velho professor de biologia, o querido Chuchu, vai ser difícil mudar o mundo só com “cuspi e giz”!

3 comentários:

Lisandro Gaertner disse...

Excelente texto, mas a saída da educação no Brasil está fora da sala de aula. Quando os professores começarem a usar os espaços de trabalho fora da escola, poderemos sair do "cuspe e giz" e transformar a educação numa ferramenta de pesquisa ação.

disse...

Marcos, seu professor de Biologia tinha razão em dizer o quanto é duro, dificil e demorado, nos dias atuais também, construir conhecimentos com "Cuspi e Giz". Mas digo a ti querido, a Educação só nao é valorizada e não recebe investimentos reais, justamente por ser um agente transformador social, sim, a prova disso és tu, sou eu e muitos que, através do conhecimento adquirido que hoje conseguem ao menos mostrarem suas indignações mesmo que seja através da escrita ou do discurso.
O Brasil é um dos países que mais se discute Educação, paradoxo ? Não. Quando um problema é tão complexo que requer tantas discussões e pesquisas a ponto de nunca encontrarem a solução nas ações de forma efetiva, é porque ele não existe de fato, ele foi criado propositalmente e alimentado através de ações e não omissões por parte das autoridades politicas.
Onde está a solução da problemática ? Nas mãos de quem a criou, ou seja, nas origens.
Não culpo quem está na caverna por não romperem suas correntes, me indigno muito mais com aqueles que romperam as suas mas que preferem viver de sombras, onde o culpado sempre é o "outro", esquecendo-se que todos nós fazemos parte do "todo", ao menos esse professor ensinou vocês com cuspi e giz, exite outros que, com toda a tecnologia à sua disposição, preferem cruzar os braço e se absterem de suas "responsabilidades" enquanto profissionais da Educação.
O professor hoje está desmerecido sim perante a sociedade e desvalorizado perante as autoridades politicas, porém, ele enquanto ser ativo, permitiu isso, eu verdadeiramente acredito que colhemos o que plantamos ou o que foi plantado por outros porém regado e permitido por nós.
A pergunta que me faço é:
O que semear hoje ? Omissão ? Desistência ?
Minha resposta é: NÃO ! Enquanto me houver cuspi e giz, continuarei a lutar com as armas que tenho e quem sabe daqui a alguns anos eu não seja citada por um aluno meu em um Blog, reivindicando MELHORIAS REAIS NA EDUCAÇÃO.

Um forte abraço meu amigo, muito bom te ler, sempre !

Rosemary Q.(Miguxa) disse...

Marcos, o seu texto ainda mostra a realidade das escolas públicas do nosso país. Portanto, como avançar, se pouco realizam, aprimoram, investem na Educação de qualidade?
Na realidade,é um verdadeiro drama, toda essa história e lamentável, também.
Cadê a real vontade política de mudar isso tudo? Simplesmente, não há!
Atualmente, ainda investe-se muito pouco na Educação. Enquanto, essa mentalidade não evoluir, os docentes devem exigir melhorias salariais etc,trabalhar da melhorar forma possível e toda sociedade tem que apoiar e valorizar mais os profissionais da Educação.

Marcos, parabéns pelo blog!

Rosemary Q.