30 agosto 2021

O Brasil tem que acabar

                     Meu cartão de passagem quebrou, tentei por meios eletrônicos e telefônicos resolver a situação, não consegui. Fui à loja da empresa, privada, que faz a bilhetagem eletrônica no Rio de Janeiro, lá eles me disseram que minha solicitação só se resolvia pela internet ou telefone. Mais uma vez expliquei que tinha tentado essa via com insucesso. A atendente com olhar de obtuso desdém por meu problema , repetia atavicamente que meu problema não poderia ser resolvido na loja. Numa última tentativa desesperada, perguntei se ninguém tinha autorização para resolver exceções e coisas que não estavam previstas no sistema, um gerente ou superintendente talvez… Da mesma forma ela repetiu tudo de novo, fui embora sem resolver meu problema.

Poderia aqui reclamar, esbravejar e me lamuriar por esse país onde quase tudo é feito para dar errado, menos a arrecadação de impostos. Contudo acho mais produtivo fazer uma reflexão sobre o “Ethos”  deste povo que aceita ser tratado como “gado” e que pouco se revolta com o cotidiano opressor de nossa sociedade.

Nem sempre foi assim, o século XIX foi qualhado de distúrbios, revoltas populares, guerras fratricidas e  confusões urbanas. Sabinada, Balaiada, Revolução dos Farrapos, Revolta dos Malês , Revolta da Vacina( inicio do século XX), entre outras… Essa imagem do “Bom selvagem” cunhada pelo "cavalheiresco índio Peri “ ao cortejar a jovem Ceci, se transmutou no século XX na imagem do “Zé Carioca” papagaio malandro brasileiro, amigo do Pato Donald, que só queria saber de beber e se divertir. Apartir da era Vargas, foi - se construindo o “Ethos”( comportamento) de um povo que é passivo, compassivo e pacato, que prefere “dar um boi para não entrar numa briga”, que mesmo na miséria está feliz. Como dizem os aclamados sambas “Gente Humilde e Ave Maria no Morro”, fazem o incauto pensar que ser pobre é bom.

Também na Era Vargas o futebol se torna “ a paixão das Massas “, Nelson Rodrigues escreve “ A sombra das Chuteiras Imortais” enaltecendo o “nobre esporte bretão”( Oswaldo Cury), que infelizmente fez o esporte brasileiro , no geral, se desenvolver dentro dos clubes privados, não na escola ou universidade. A fissura entre ensino formal e ensino esportivo de alto nível, que sempre foi feita dentro dos clubes de elite, impede a formação de lideranças, pois o esporte conjunto com as aulas do currículo escolar regular sempre formaram líderes populares em todo mundo, mas esse sempre foi o medo do ricos no Brasil.

Nossa elite miscigenada e mestiça, que tem vergonha da “vovó índia e do vovô preto véio", que tentou “embranquecer” o Brasil com a imigração européia, pois em meados do século XIX setenta e cinco por cento da população era negra ou mestiça. Vem recorrentemente abandonando o pobre à própria sorte , dificultando o acesso à educação e aos bens de consumo, precarizando as relações de trabalho, fazendo com que os pobres ocupem todo o seu tempo e recursos com a manutenção da moradia e alimentação. Que é uma das formas mais perversas de controle social. O preço disso está estampado nas áreas centrais das capitais brasileiras, cada vez mais moradores de rua. O Brasil como unidade étnica não existe, somos vários povos que falam portugues, não que isso não seja viável, pois China e Índia são diversidades étnicas e linguísticas, ainda sim preservam sua unidade nacional. Porém enquanto as elites tiverem vergonha do povo e sua origem, nada farão por ele.

Qual a solução para isso tudo? O Brasil acabar? 

Uma coisa é certa , “ o paradigma de Macunaíma - Herói sem caracter” , livro do brilhante Mário de Andrade, que explica muito do comportamento do Brasileiro tem que acabar. Temos que deixar de ser coniventes com a imposição da miséria, deixar de naturalizar a fome e a pobreza, bem como culpar a vítima. O Brasil dos "empreendedores de pés descalços” , milhares de camelôs e vendedores de rua sem proteção social têm que dar lugar a trabalhadores protegidos pelas conquistas sociais e da Lei. Sangue foi derramado por essas conquistas do cidadão e do trabalhador, temos que honrá-las.

O Brasil do “Gado”, do povo passivo, tem que acabar e dar lugar à luta pela dignidade cidadã. Temos que resgatar o velho espírito dos revoltosos Malês, escravos islâmicos  letrados que se levantaram contra a opressão do senhor, o espírito dos Tupinambás que foram exterminados por não querer colaborar com o colonizador. Resgatar o que há de melhor na mistura e miscigenação, pois Darwin provou que o híbrido é mais forte, ter orgulho de nossos antepassados e criar um Brasil melhor para nossos descendentes, com igualdade, oportunidade e liberdade.





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