15 dezembro 2010

Consumo

Ontem voltava para casa naquele pé – d´água. Passei por um boteco perto do lar, lá estava o Jorge. Ele sempre parava em algum bar da região, para tomar aquela cerva antes de dormir, ouvir uma musiquinha e ver se alguém o acompanhava na cerveja. Eu tava voltando pro meu cafofo pensando em esquentar aquele strogonoff que a mamãe mandou pra mim, sem um tostão no bolso, pau da vida com meu emprego que não tinha depositado ainda meu décimo terceiro.
Apertei o passo pro Jorge não me ver, mas sempre nessas horas as pessoas tem olhos de águia, não deu outra, ele me viu e gritou:
- Marcão!
Parei ao lado da mesa, naquela de dar apenas um “oi” e seguir meu caminho, mas os assuntos foram se sucedendo e veio a fatal pergunta:
- Vai um copinho Marcão?
Boêmio quanto mais não recusei a oferta, mas avisei logo:
- Jorge to durinho.
Este como amigo e camarada, fez um gesto de mão deixando claro que a conta era por conta dele. Afinal de contas beber sozinho é uma droga, e boa companhia é sempre bem vinda, mesmo as custas de umas cervas a mais. Assim me sentei , e sorvi o primeiro gole da cerveja, que me pareceu mais amargo do que costume, mas bebum não se abate por pouca coisa, e continuei a sorver o liquido amarelo.
Jorge tava animado, falava da feijoada que havia feito no samba no domingo, alías, ele era um homem do samba, tinha sido presidente da agremiação do seu coração, vivia o samba na veia! Também falava da carestia do néctar bávaro, de como o bar da esquina, bar de um amigo nosso, tinha aumentado demais o preço da gelada. Que era, diga-se de passagem, um absurdo! Os bebedores profissionais da Tijuca sempre procuravam uma tríade perfeita, o bom papo para distrair, uma paisagem de mulheres bonitas e cerveja a preços módicos. Nosso amigo tava quebrando essa trindade sagrada da noite!
Alguma coisa me incomodava a cada gole de cerveja, e Jorge sempre pedia mais uma. Em casa única coisa que lhe esperava era uma sopa de ervilha requentada no microondas, coisa que acontecia com quase todo o homem solteiro, ou separado, na nossa idade. O incomodo estranho continuava, e a cerveja já não descia redonda, assim conclui que devia ser fome, já que minha ultima refeição tinha sido as duas horas da tarde, e já eram dez da noite. Me despedi do Jorge, apesar de seus protestos por mais uma saideira, mas expliquei que precisava botar algo no estômago.
Já no lar, de banho tomado, refeição feita e zapeando na Internet, o incomodo não me largava! Olhei a minha volta, na minha bagunça particular, só permitida a um homem que more sozinho, e vi um livro jogado no cantinho, “Das Kapital”, O Capital, do velhinho barbudo, que não é Papai Noel, mas mexe com os desejos e sonhos de muita gente também, e tinha algum tempo eu não lia. Karl Marx. A mera visão da lombada do livro já me suscitava idéias e pensamentos diversos, amores e ódios diversos. São Karl Marx ajudou a compreender meu mal estar desde que encontrei o Jorge, pois todo meu incomodo vinha do fato de eu não ter nem um centavo pra pagar, pelo menos, uma cerveja. EUREKA!!!! Como diria o velho Arquimedes de Siracusa (Quem não souber quem é Arquimedes procure no Wikipédia).
Todo o meu desconforto vinha de um sentimento de culpa capitalista, por não estar participando ativamente do processo de produção/ consumo. Na hora na minha mente vários episódios semelhantes, ocorridos com amigos meus, foram rememorados. Bem, em outros tempos minhas culpas seriam mais cristãs, talvez de não estar colaborando com o espírito de caridade natalina, ou de não ter dado esmola a um pobre, ou qualquer outro sentimento de piedade católica. Na idade média, talvez, a culpa seria por não participar ativamente da comunidade da minha vila ou feudo, hoje é por não participar do processo de aquisição de bens mais amplamente. Desde do século XII, o que faz podermos ser “indivíduos autônomos”, é essa transformação na sociabilidade e relações de produção. Detesto admitir que o “velhinho barbudo” ta certo! Porém nesse caso não tem jeito, também me assusto ao ver que sua teoria está mais nos corações e atitudes cotidianas, que nas mentes e livros.
Well! todo esse palavrório é pra dizer :
- Como é ruim ficar duro!!!!!!!!!!!

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