20 outubro 2008

Solidão, ou, "Desenraizamento do mundo'*

Apesar do tema ser extremamente recorrente na literatura universal, e os ensaios , letras de musica, poemas e canções evocando o este sentimento e sensação humana sejam abundantes e exaustivos, me é irresistível não abordar o tema e também não expor minhas próprias divagações de botequim, minhas digreções a luz tépida de um bar sorvendo o ultimo gole de cerveja.
Dentro do espírito lúdico e alcoólico que me abate nesta segunda feira chuvosa, na verdade estou de ressaca mesmo, assim relatarei minha ultima investida boemia que inspirou tal reflexão.
Um domingo chuvoso, onde os carros empurram p/ as sarjetas a lama escura produzida pela fuligem da cidade e chuva, embora o Rio de Janeiro ser uma cidade solar, num dia como esse até a mais bela cidade toma um ar de Gottan City. Acordei com a garganta ruim quase fechando, fui buscar alivio na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) onde agora casos que não são realmente emergência são atendidos. Chegando a UPA da tijuca, a mais próxima da minha casa por incrível que pareça pois moro em Jacarepaguá, vê-se instalações modernas, limpas , cadeiras confortáveis, televisão de LCD, uma maravilha, porem nem tudo é perfeito. A seleção do atendimento é por nível de risco, assim você que ta quase sem falar por causa de uma dor de garganta espera horas porque sempre tem alguém com mais risco na sua frente, o legal é que ninguém te explica esse critério de risco. Foi isso que aconteceu comigo, tinha uma senhora que tava quase desmaiando de enxaqueca, mas tava esperando a horas pois enxaqueca não se prova ser muito arriscada a morte, apesar da dor pirar agente. Eu e ela ficamos umas três horas vendo a sala de espera encher e esvaziar , e nada de atendimento. É incrível a sala de atendimento de um pronto socorro publico, um monte de gente sofrendo, dores e faces consternadas por todos lados, enfermeiras passando de um lado p/ outro, médicos também, alguns rindo fazendo piada com os colegas e nas cadeiras as pessoas lá aguardando o maldito monitor estampar seus nomes para o atendimento. Depois de longa espera fui atendido por doutora loirinha linda de sotaque sulista, olhou a garganta e cinco minutos me receitou um antiinflamatório e me despachou. Ao sair da unidade tive uma rara visão, a Praça Sãs Penã quase deserta num tom cinza dado pela chuva, eu não estava muito afim de voltar p/ casa , assim vasculhei a agenda do celular atrás de algum amigo morador da tijuca que pode-se conversar e me ajudar a amainar minha solidão chuvosa. Achei o Mauro que também estava só em casa,mas muito mais confortável na seu próprio isolamento voluntário, como o Mauro é um grande amigo, aceitou que perturbasse sua meditação ressaquista de domingo com minhas angustias, assim me dirigi ao seu refugio na Rua Maria Amália.
Mauro com bom boêmio, já me recebeu com uma gelada esfumaçando de frio, nevada pelas gotículas de vapor d’água do ar que indicam ao bebum que a cerveja está própria para o consumo! Ele estava preparando o almoço, assim me recostei num baquinho na cozinha , onde nós historiadores de oficio, filisofos de botequim por profissão, começamos a divagar sobre temas universais. Viajamos até o século XIII, inicio do renascimento italiano, a construção da individualidade, Petrarca e a imitatio modrena, Dante e seus novos conceitos de política, e claro Maquiavel e sua milhares de interpretações através dos tempos. Abordamos um autor em especial, Jacob Buckhart e sua celebre obra “A cultura do renascimento na Itália”, e como homem moderno se diferenciava do medieval ao criar uma nova sociabilidade, construindo uma natureza que independia do grupo, do coletivo, criando um indivíduo que era suficiente em si, que dava seus primeiros passos para uma nova forma de vida só. Entre um gole outro o papo foi da erudição dos modernos, até as nossas próprias desventuras, insucessos profissionais e amorosos, já que eu acabava de terminar um relacionamento e estava procurando mesmo era um ombro amigo. Almoçamos mas o paladar ainda pedia mais algumas geladas, Mauro sugeriu um autêntico boteco tijucano localizado na praça Xavier de Britto, o Bar do Neca, pertencente ao seu Manel autentico português de Detrás Dos Montes. Lá pedimos uma Boemia gelada , excelente representante do néctar bávaro, que sorvermos com prazer alviçareiro. No fundo do bar havia uma mulher morena de olhos verdes, que apesar dos castigos do tempo exibia uma beleza resistente. Sorvia sua cerveja acompanhada de uma taça de Steinheighan (Água ardente alemã), parecia não ligar para os presentes e estava absorta em seus pensamentos. Não consegui tirar os olhos dela, e a fitava com canto dos olhos enquanto conversava com o Mauro e bebia minha cerveja. Quando ela veio ao balcão puxei papo, mas ela não deu muita atenção, e voltou para sua embriagues solitária em sua mesa. Apesar da rudeza daquela mulher continuava a beber a olhar para ela, sua postura distante, seu jeito atemporal parecendo estar inerte no século. De repente ela levantou, virou o ultimo gole de cerveja e ultima talagada na taça, veio ao balcão jogou o dinheiro para seu Manel e se dirigiu a mim:
- Lindo hoje não é dia de papo, quem sabe outro dia!
Afagou meu rosto e foi embora, me dirigi ao Mauro e disse:
- É isso Mauro! O que a nossa sociedade moderna conseguiu!
- O que cara? Perguntou Mauro intrigado.
- A Solidão veio! A Solidão é a maior conquista da Modernidade!

*O segundo título é uma contribuição inestimável do Grande Carlos Pereira Jr, o "Focault Negro"

Um comentário:

Carlos Pereira jr (merlimkerunnus) disse...

Meu caro Marcão,
Antes de mais nada seu Blog naturalmente e por mérito será adcc a minha lista de blogs, rs.
Quanto a muito bem escrita crônica, de fazer inveja a um João do Rio, não sei se é mais próprio titula-la de "solidão" ou "desenraizamento do mundo" essa nada renascentista questão contemporânea no reinventar-se da individuação como processo de desenvolvimento da consciência diferenciada em uma sociedade massificada... Isso pede um copo de uisque...rs